Todos os humanos trazem um vazio inato que deve ser constantemente preenchido e cada um o faz conforme o seu estágio evolutivo
Na prática psiquiátrica, uma queixa frequente entre os pacientes examinados é a sensação de vazio, verbalizada de inúmeras maneiras e, por isto, não encontramos dois relatos iguais, embora algumas características desse estado aparecem com frequência.
Muitos autores e pesquisadores chamam esse estado de vazio existencial. Contudo, no meu entender, qualquer outro transtorno emocional também faz parte da existência do espírito, portanto, é também existencial.
Para a ciência oficial não existe um consenso quanto à(s) causa(s) desse terrível sentimento. As pesquisas científicas indicam que o vazio surge diante de inúmeras situações negativas da vida humana. Uma frustração; uma imaginada condição de vida que, conscientemente, sabe ser difícil atingir; a falta de um sentimento de reconhecimento e de amor de alguém ou de algumas pessoas; uma família que não vai bem; dificuldades com parentes e filhos; entraves amorosos e conjugais, são alguns dos motivos que os pacientes alegam para justificar o vazio existencial.
A ciência espírita acompanha a ciência oficial endossando suas descobertas e explicações, mas a complementa inserindo o espírito como parte do homem global, quando afirma que a quase totalidade das causas das doenças emocionais nele estão contidas. Não é diferente para o sentimento de vazio.
Como seres ainda incompletos, devemos entender, obviamente, que não somos completos, plenos, e por isso temos um vazio a preencher. Portanto, todos os humanos trazem um vazio inato que deve ser constantemente preenchido e cada um o faz conforme o seu estágio evolutivo, com sentimentos oriundos das suas vontades, escolhas, conhecimento e discernimento. Por isto que verificamos o vazio com diversas características e em diferentes proporções. Enfatizamos que todos possuem no espírito as potencialidades benéficas necessárias para se adequarem a esse estado. Deus dá a cada um, no estágio em que se encontra, o que precisa para a sua evolução.
Na prática médica o vazio faz parte dos mais diversos transtornos emocionais. Analisando durante décadas esse sentimento, modestamente posso alegar que um dos grandes problemas do ser humano é não saber o que realmente quer e pouco sabe dizer o que sente. Isto é verbalizado pelo cliente, ao exame psíquico, como um vazio, ou um desconforto intenso, ou uma agonia duradoura, e, quase sempre, apontam para o seu peito ao referi-los. Concluo ser o vazio um sentimento e assim sendo pertence ao espírito, que o repassa ao corpo físico e este o exterioriza como sintomas emocionais e físicos.
Diante das pessoas, que conscientemente se declaram sofredoras desse vazio, ao examinarmos suas histórias de vida, nitidamente notamos a enorme dificuldade em agir como espíritos que são e perceber que estão em contínua evolução. Através de suas queixas emocionais, verificamos a fragilidade de suas personalidades, a dificuldade para dirigir suas existências e o fraco poder de adaptação diante de preocupações, frustrações e estresse. Comumente, surge o desespero, o sentimento de inutilidade, se autodepreciam e negligenciam a poderosa força anímica que possuem para lutar pelo saber querer e sentir. Os que buscam essa força interna (comum a todos) investem na perseverança, paciência, compreensão e amor e sentem-se melhores com o decorrer do tempo. No entanto, por merecerem um trabalho árduo, tais atributos não solucionam os sintomas de imediato e os sofredores imediatistas, na ânsia da melhora, lançam mão de elementos que consideram eficazes para o preenchimento do vazio.
Os elementos supostamente salvadores e curadores mais comumente observados são: posse de bens materiais (podendo chegar à compulsão para comprar), viagens frequentes, divertimentos de toda ordem, excesso de comida (compulsão alimentar), uso de drogas de toda espécie (dependência química), companhias de todo o tipo, e outros. Observamos que são comportamentos que atacam o vazio de fora para dentro. Em um primeiro momento esses elementos podem preenchê-lo e alguns o consideram sanado, mas por tratar-se de medidas paliativas o sentimento logo retorna. A tendência é que se repita o comportamento constantemente e, em não tendo as respostas esperadas, o vazio continua e a ele somam-se outros sintomas. As pessoas referem-se ocas, medrosas, frustradas, ansiosas, deprimidas e inseguras.
Existem inúmeros complicadores psicológicos que alimentam o sentimento de vazio e que necessitam de grande atenção, alguns deles:
A. Opinião alheia
Sempre trazemos na bagagem espiritual as necessidades do espírito ávido para evoluir e se preencher com o bem. É a força espiritual. O espírito contará também com a bagagem cultural do meio em que se encontra encarnado, com as suas tradições peculiares, os postulados que carrega dessa cultura e da família, a religiosidade, os valores segundo as leis morais, etc. A confusão começa quando tudo isto é deixado de lado por ser taxado de autoridade exagerada e é trocada por uma autoridade ainda mais cruel, a autoridade da opinião alheia. Esta opinião abala o indivíduo que se preocupa com o que outros pensam dele, sem se importar com os valores inatos e adquiridos com os quais construiu ou ainda constrói a sua personalidade.
B. Anomia e falta de objetivos
Muitos são os portadores da falta de objetivos e a perda de identidade (anomia). Esta incitada pelas intensas e aceleradas transformações do mundo moderno que pouco, ou quase nada, preenchem os valores anteriores demolidos. Dando prioridade aos outros em detrimento da sua individualidade, chega o momento que não sabe mais se ele é os outros ou ele mesmo, alimentando assim o seu vazio.
C. À onda da maioria
Esse processo do indivíduo embarcar à onda dos outros para estar bem com a maioria no meio social em que vive, provoca a repressão dos seus instintos e dons benéficos por discordância das opiniões alheias e alimenta o vazio. Em outras palavras, a vazão dos seus instintos e dons, gradativamente, preencheriam o espaço da sua própria realidade, enquanto as opiniões alheias não têm essa condição, são postiças, superficiais e não são percebidas como partes da individualidade. Desse modo, quando o indivíduo se busca intimamente nada vê de seu, apenas um vazio. Portanto, não nos influenciemos pelas emoções, atitudes e feitos alheios. Nossas ações devem nascer do nosso próprio íntimo, dos nossos dons e inspirações e isto é o convite para caminharmos sobre as nossas próprias pernas.
D. Virtualidade
Na atualidade, muitos caminham apoiando-se na virtualidade, nas comunicações sem o intercâmbio energético direto, indivíduo a indivíduo, inexistindo a verdadeira afetividade da convivência, do contato, do calor humano. A virtualidade é dona de fantasias e vivências muitas vezes impossíveis, acarretando ao indivíduo frustrações, insegurança, medo e baixa autoestima, colaborando para o vazio existencial. O espírito reencarnou para aprender, ensinar, amar e evoluir e, para isto, deve conviver com o seu próximo de modo real.
Quando se percebem vazias, as pessoas comumente exteriorizam sintomas de ansiedade e depressão. Não conseguem enxergar nada de bom na vida, não sabem por que vivem, não se sentem úteis mesmo cercadas de coisas boas, amadas pela família e amigos e sem nenhum problema destoante. Muitas referem esse vazio como um sentimento de solidão, de tédio, de amargura.
Quando reportamos que trazemos um vazio inato não queremos dizer que devemos ficar estáticos e deixarmos as coisas acontecerem, achando que tudo é fatalismo ou carma. Lembremos que estamos onde deveríamos estar e por isto devemos lutar e vencer mais esta etapa para o bem da nossa própria evolução, apesar de todo o conflito existente entre as forças dos nossos íntimos e as forças externas deste mundo.
Não temos dúvidas que o vazio é um sentimento e, portanto, do espírito. Para preenchê-lo temos que buscar, em nossas almas, sentimentos positivos e dentre estes o mais importante é o amor em todas as suas formas. É o melhor medicamento para a cura de qualquer doença, inclusive o vazio existencial.
Texto publicado no site da revista O Clarim, edição de Março de 2017, por José Luiz Condotta (jlcondotta@gmail.com)