Doutrina codificada pelo francês é a base dos textos para o teatro e as redes sociais
Quem disse que não é possível falar de espiritismo sem formalismos e de forma doutrinária? Atores de teatro do Rio de Janeiro acertaram na mão, ganharam a simpatia popular, e desde que entraram para o YouTube, há pouco mais de um ano, já tiveram mais de 5 milhões de acessos.
Eles são os Amigos da Luz: Alex Moczydlower, Carla Guapyassu, Ewerton Oliveira, Fábio de Luca, Fábio Oliviere, Jean Rizo, Loeni Mazzei, Sidney Grillo e Sônia Barbosa, companhia de teatro fundada em 2007, levando para os palcos de todo o país a ideia da comédia como instrumento de divulgação de mensagens edificantes, desde seu primeiro espetáculo, “Morrendo e Aprendendo”.
Luz. Quem explica o nome do grupo é Fábio de Luca, 36, roteirista e diretor do Canal Amigos da Luz. “A razão do nome “luz” não é tão transcendental como parece, surgiu por causa da localidade, Nova Iguaçu, onde morava parte do grupo, no bairro da Luz, no Rio de Janeiro. Éramos um grupo de amigos que viviam de atuar. Em 2007, resolvemos nos juntar para montar uma peça de tema espírita, já que esse era um assunto de interesse comum. Com medo de levar tomates fluidificados na cara logo na estreia, já que a peça não só unia espiritismo e comédia,mas tinha a audácia de ser encenada por homens fazendo tanto os papéis masculinos como os femininos, divulgamos a primeira temporada pelos centros espíritas da região. E deu certo”.
Outras comédias vieram, alguns atores deixaram a companhia, outros chegaram. Mas foi em março de 2015, com o lançamento dos vídeos de humor e espiritismo no YouTube, que a ideia alcançou milhares de pessoas e atravessou fronteiras, geográficas e do preconceito. Os vídeos, pelo grande poder de disseminação, acabaram alavancando também as peças teatrais. Hoje a trupe tem agenda cheia por todo o país, e os vídeos já tiveram mais de 5 milhões de acessos.
“Acredito que o humor inserido na temática espírita propiciou que a mensagem da doutrina de Allan Kardec pudesse alcançar o cotidiano das pessoas. O que se vê na internet sobre o assunto são palestras muito longas, que consomem uma hora da vida de quem se propõe a assisti-las. Havia uma demanda por vídeos mais curtos. A média de duração dos nossos vídeos é de cinco minutos, e eles são de fácil assimilação. A mensagem é rápida e direta. Eles dão uma palhinha sobre assuntos complexos como a obsessão, por exemplo, ligando o tema a fatos do cotidiano, e atraem o público mais jovem”, comenta o roteirista.
Frequência. Toda sexta-feira tem lançamento de vídeo. Já são mais de 40. “Quando começamos, tínhamos a ideia de seguir a ordem dos assuntos de “O Livro dos Espíritos”, tanto que o primeiro episódio, e até hoje um dos mais acessados foi “Que é Deus?”. Mas, aos poucos, sentimos necessidade de falar sobre outras coisas, algumas atuais, e resolvemos eleger os temas aleatoriamente. Fazemos reuniões, conversamos sobre o que cada um tem vivenciado, outras vezes, alguém liga para mim e sugere um tema”, comenta Fábio.
O grupo já abordou a caridade, a vaidade, o orgulho, como a prece influencia o cotidiano, trechos do Evangelho, o apego, e, mais recentemente, lançaram o “Uber-sessor”, fazendo analogia com o aplicativo de táxi.
“A proposta é passar mensagens da doutrina de Kardec e despertar a curiosidade. Estamos felizes, pois ficamos sabendo que alguns palestrantes estão usando nossos vídeos. Por outro lado, é uma responsabilidade muito grande. Por isso, somos bem cuidadosos com o embasamento doutrinário”, diz o roteirista.
Com tantas mudanças acontecendo, os Amigos da Luz criaram neste ano o projeto Encontro ao Vivo Semanal, um bate-papo que acontece às segundas-feiras, às 20h, no YouTube. E ainda uma webserie, uma história única em capítulos sequenciais. “Recebemos proposta de uma produtora de Fortaleza para desenvolver o roteiro de um longa-metragem sobre comédia espírita. Estamos na fase de roteiro”, finaliza Fábio.
Única atriz não espírita confessa ter medo de espíritos
A atriz Sônia Barbosa, 50, é uma das atrizes dos Amigos da Luz e a única declaradamente não espírita. “Quando criança, eu via coisas, tipo um homem dentro do meu quarto, chorava, gritava. Quando contava para minha mãe, ela não me compreendia, me xingava”, relembra.
Aos 20 anos, ela resolveu dar um basta e foi a um centro espírita pedir ajuda. O sujeito disse que ela não veria mais aquelas coisas. E não viu mais. Ainda tem medo, mas, depois que sua mãe morreu, ela se sente mais em paz. “Sei que ela está lá e não vai deixar nada acontecer comigo”, crê.
A atriz acredita em Deus, em todas as religiões e naquilo que elas professam. “Todas são maravilhosas naquilo que ensinam, mas, mesmo participando de um canal espírita, não me tornei uma. Mas, sem dúvida alguma, com as mensagens tenho aprendido a lidar melhor com a vida, com o ser humano, pois elas têm a proposta de tornar as pessoas melhores, é isso que a gente busca”, conclui.
Texto publicado em 03/05/16 por Ana Elizabeth Diniz para o site O TEMPO