O ser humano sempre gostou de ser fotografado e de fotografar, tanto que desde eras remotas retratos eram feitos a fim de materializar em desenhos alguns líderes, pessoas, emoções, natureza e momentos marcantes.
E por isso, por conta desta busca do ser humano em imortalizar alguns momentos, que a invenção da fotografia sempre esteve na pauta dos homens nas mais diferentes épocas da humanidade.
Narra a História que um físico francês chamado Joseph Nicéphore Niépce em 1826, século XIX, e pouco antes da codificação espírita, após anos de pesquisa, conseguiu desenvolver a fotografia da forma como a conhecemos atualmente. Desde então só evolução para as fotos até atingirmos ao formato digital e à possibilidade de, enfim, modificarmos, sem cirurgias plásticas, mas via photoshop, alguns pontos que nos desagradam.
Hoje, muito mais do que ontem, as fotografias ganharam um status enorme. Muito mais do que ser ou ter é preciso “parecer”. Parecer feliz, parecer bem casado, parecer sem rugas, parecer uma pessoa bem resolvida.
E para o “parecer” nada melhor do que as fotografias, porquanto “eternizam” uma coisa que parece, mas nem sempre é, ou seja, retrata o externo que, diga-se, pode ou não ser uma representação da realidade ou mera fantasia.
E nesta sociedade de “parecer” é que nos últimos anos uma nova modalidade de “morte” foi inaugurada.
Morte por selfie - Trata-se da morte por selfie. No ano de 2014 até 2016 foram mais de 120 mortes por selfie. Na maioria dos casos o desencarne ocorreu porque o indivíduo despencou de locais muito altos em busca de um ângulo favorável para a selfie. O raciocínio é bem simples: quanto mais ousada a foto mais seguidores nas redes sociais se consegue, quanto mais seguidores, mais “likes” ou, como queiram, curtidas.
Vive-se, portanto, um tempo em que a corrida pela fama, pelo reconhecimento e pelo “parecer”, são tão ou mais importantes que a própria existência, haja vista que muita gente expõe-se e coloca sua vida em risco para ter seu nome conhecido nas redes sociais.
Como explicar um fenômeno assim?
Seria uma pane no instinto de conservação que, segundo o Espiritismo, é fundamental para evitar um desencarne precoce? Ou, então, o secundário tomou o lugar do fundamental, ou seja, o “parecer” vem sendo mais procurado do que o ser?
A indagação sobre a pane no instinto de conservação não procede, pois somos adaptados de “fábrica” para que busquemos permanecer o maior tempo encarnados, a fim de cumprir com nossa programação reencarnatória.
A tese de que o secundário, por uma série de fatores, tomou o lugar do primordial é a mais indicada. Esquecemo-nos de que somos Espíritos em trânsito por este mundo e não meras fotografias. Mas o narcisismo ganhou espaço e com ele os seus desdobramentos.
Narcisismo - Segundo consta na mitologia grega, Narciso, filho do deus rio-Cefiso e da ninfa Liríope, era rapaz de singular beleza. No dia de seu nascimento, o adivinho Tirésias vaticinou que teria vida longa, porém, que jamais contemplasse a própria beleza.
Certa vez, ao observar seu reflexo nas águas de um lago apaixonou-se pela sua imagem. Embevecido, ficou a observá-la até consumir-se. No lugar onde morreu Narciso nasceu uma flor e deram a ela seu nome.
A lenda de Narciso encerra grande mensagem. Utiliza-se o termo narcisismo para o indivíduo que tem interesse fora do comum por si mesmo.
Prima-se única e exclusivamente pela beleza física, pelo corpo escultural, pela paixão exacerbada por si mesmo.
Prima-se pelo secundário que, salientamos, também é importante, mas não é fundamental.
Quem se apaixona pelo corpo, pela fama e arrisca sua vida para ter alguns aplausos esqueceu-se do espírito, todavia, quem ama o espírito, jamais se esquece de seu corpo.
Muitos matam-se literalmente com essas selfies porque valorizam apenas aquele exato instante. O objetivo – conquistarem seguidores, aplausos, elogios.
Conheci um rapaz que era apaixonado por si mesmo, julgava-se imbatível na beleza física e frequentemente fazia essas selfies esquisitas. Sua cabeça estava apenas em malhação, academia, aparência...
Jamais cogitara em beneficiar seu intelecto com a leitura de um livro, tampouco em expandir laços de afeto dedicando-se a trabalhos voluntários, pensava apenas em ser mais bonito hoje do que fora ontem, para clicar e postar em redes sociais.
Certo dia, um acidente veio tirar-lhe o que em sua opinião tinha de mais precioso. Infelizmente, no acidente, o amigo ficara deformado, por mais intervenções cirúrgicas que lhe fizessem, nem sua potente máquina daria mais jeito. Sua aparência, então, que tanto amava, nunca mais seria a mesma.
O amigo amargou tempos difíceis, estava sentindo-se órfão, vazio, sem chão, tudo que mais apreciava tinha se esvaído, entregou-se à depressão e por pouco não atentou contra a própria vida.
Contudo, teve que “cair na real” e a custo da dor refazer e modernizar sua maneira de pensar, assim, começou a dedicar-se mais a valores imortais, modificou-se, melhorou, fez tratamento de beleza para a alma.
Hoje, valoriza mais o interior do que o exterior, a arrogância de outrora, a competição que empreendia com os colegas para saber quem era o mais belo, as fotos em lugares estranhos e perigosos deu lugar à humildade. Tornou-se assim, mais jovial, simpático, alegre...
Tudo a favor do esporte, dos exercícios e da beleza física, além, é claro as “selfies”. Nada contra imortalizar momentos em fotografias com o objetivo de guardar e um dia recordar os momentos felizes.
Porém, colocar a vida em risco é atentar contra o que temos de fundamental nesta existência: a oportunidade de vivermos bem, de evoluirmos em direção a Deus e avançarmos na escala espiritual.
Um dia teremos que entregar nossa máquina física ao Criador, portanto, melhor faremos se dedicarmos também tempo a atividades que falem à alma.
Leitura de páginas edificantes.
Dedicar-se à família e aos amigos.
Participar de trabalhos voluntários.
Meditar em torno de virtudes e limitações.
Evitar riscos desnecessários por conta de aplausos e seguidores.
Assim, preferindo os valores reais e imorredouros, jamais nos afogaremos por contemplar as águas turvas do egocentrismo ou despencaremos do alto de um narcisismo que poderá, sim, transportar-nos para o mundo dos Espíritos antes do tempo.
Pensemos nisto.
Texto publicado no site da revista O Consolador, em Crônicas e Artigos, Ano 10 - N° 507 - 12 de Março de 2017, por Wellington Balbo