CAPA DA REVISTA COM A ENTREVISTA DE ZIBIA:
A senhora dos espíritos
Como Zibia Gasparetto transformou sua mediunidade num império de comunicação, com 41 livros publicados, 16 milhões de exemplares vendidos e presença no rádio, na tevê e na internet
Como Zibia Gasparetto transformou sua mediunidade num império de comunicação, com 41 livros publicados, 16 milhões de exemplares vendidos e presença no rádio, na tevê e na internet
por João Loes
A fila já dava voltas no auditório da livraria de
um shopping da zona norte de São Paulo. Eram 20 horas de uma quinta-feira do mês
de maio, dia de trânsito complicado na cidade, mas ninguém dava sinal de que
arredaria os pés antes de conseguir um autógrafo e uma foto com a estrela da
noite, a escritora, médium, líder espiritual e empresária Zibia Gasparetto, 86
anos. Convidada pela rede de lojas, ela havia falado durante 35 minutos para o
público e agora atendia, um a um, os cerca de 150 fãs que aguardavam para
conhecê-la e ganhar um exemplar assinado do livro “Só o Amor Consegue”, o 41º da
carreira da autora, lançado em março e já com 80 mil cópias vendidas. “Qual o
seu nome, minha filha?”, perguntava Zibia às moças, grande maioria, que chegavam
com a obra na mão, para depois confirmar a grafia do sobrenome e colocar uma
singela dedicatória: “Com carinhoso abraço, alegria e luz, Zibia Gasparetto”.
Quando o salão esvaziou, perto das 22 horas, seis funcionárias da livraria
apareceram, esbaforidas, com suas cópias do romance para garantir o autógrafo.
Mesmo cansada e com dor no pulso, fruto de uma tendinite crônica, atendeu
sorridente: “Claro, meu bem, pode vir”, disse.
Soberana do romance mediúnico no Brasil, Zibia Gasparetto escreve livros a partir das mensagens que diz ouvir dos espíritos que a acompanham desde os anos 1950. Carinhosa com os fãs e dura nos negócios, a octogenária, que já publica há 55 anos e contabiliza 16 milhões de livros vendidos, construiu, ao lado dos filhos e netos, um verdadeiro império espírita, com ramificações no rádio, na internet, na televisão e no mercado de palestras (leia quadro na pág. 76).
No ramo editorial, onde tudo começou, é ela própria
quem comanda a editora e gráfica Vida e Consciência, empresa em franco processo
de crescimento. Segundo sua filha e sócia, Silvana Gasparetto, 45 anos, a
impressão mensal de livros da empresa, que fechou 2012 com 300 mil unidades, já
chegou a 500 mil no primeiro semestre de 2013 e deve bater as 650 mil unidades
até o começo de 2014. “A terceira máquina que compramos começa a rodar em
breve”, diz Silvana, da espaçosa sala que ocupa no quarto e último andar da sede
do grupo, no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo.
Poucas coisas dão a dimensão do poder dos Gasparetto quanto uma ida à sede da gráfica e editora Vida e Consciência. Quem vê o prédio por fora pode fazer pouco do espaço, uma construção antiga, com aspecto de fábrica. Mas uma visita ao que há do outro lado do muro, principalmente ao quarto andar, onde fica a diretoria, mostra bem o que 16 milhões de livros vendidos podem comprar. O espaço impressiona pela beleza e conforto. Com pé-direito de mais de quatro metros, piso de madeira de demolição, detalhes em pastilhas de vidro e mobiliário refinado, ele lembra uma luxuosa cobertura de prédio. Um grande jardim com fonte adornada por belos conjuntos de ladrilhos hidráulicos circunda metade do andar. Zibia e Silvana têm acesso exclusivo a ele das enormes salas que ocupam, uma vizinha à outra. E, se o tempo estiver frio para um passeio pelo espaço verde, elas podem optar por ficar em uma terceira sala de pelo menos 80 metros quadrados no mesmo quarto andar. Iluminada por janelões de vidro com impecáveis caixilhos brancos, ela tem sofás e poltronas, além de uma pequena cozinha e uma imensa mesa onde a matriarca almoça todo dia, às 12h30. “Gosto daqui, mas, para escrever, preciso estar na minha sala”, diz Zibia.
O ritual para receber os livros de seu guia espiritual, Lucius, que nas últimas
cinco décadas lhe transmitiu 26 romances, sendo “Só o Amor Consegue” o 27º, é o
mesmo da década de 1950. Três vezes por semana, por volta das 15h30, a médium
mais famosa do Brasil se senta agora diante do computador, diminui a luz, liga
uma música suave e lê a última frase do romance em que deseja trabalhar – pelo
menos três são escritos simultaneamente. Como mágica, a voz de timbre familiar
surge do silêncio e a narração recomeça. “Tenho consciência absoluta do que está
acontecendo, não é um transe”, afirma a pioneira no uso do computador para
psicografar no Brasil. “Apenas sinto uma grande alegria, e meus pensamentos e
raciocínios passam a ser ágeis e leves."
Nem sempre, porém, o contato com os espíritos foi agradável para a matriarca dos
Gasparetto. A primeira experiência mediúnica, por exemplo, foi traumática.
Católica, recém-casada e com um filho de colo, Zibia, então com 22 anos,
despertou uma noite sentindo um estranho formigamento pelo corpo. Ainda que
incomodada, continuou na cama, na esperança de que aquilo passasse. O
desconforto, porém, foi crescendo até que, subitamente, ela começou a falar em
alemão, língua que desconhecia. Assustado, seu marido, Aldo, correu até a casa
de uma vizinha em busca de ajuda. A senhora foi até a casa, fez uma prece e
garantiu: aquilo era “coisa de espírito”. “No dia seguinte meu marido foi até a
Federação Espírita Brasileira (FEB) para comprar alguns livros sobre o assunto
e, em pouco tempo, estávamos fazendo o evangelho do lar em casa”, diz a autora.
O incômodo sumiu e um ano se passou até que, um dia, durante o Evangelho, Zibia
começou a sentir dor no braço. A mão, então, passou a se mexer sozinha e o
marido, mais adiantado nas leituras espíritas, pegou papel e lápis e deu à
mulher, que começou a escrever. “Eram coisas desconexas no começo, mas depois
passaram a fazer sentido”, afirma a médium. Com visitas ao centro espírita
“Seara do Mestre”, no bairro do Ipiranga, a mediunidade foi afinando até que ela
passou a ouvir uma voz masculina que parecia ditar uma narrativa. Curiosa para
ver como acabava a história, sentava para colocar o que ouvia no papel sempre
que podia. Já com dois filhos, porém, ela não conseguia se dedicar como
gostaria. “O primeiro livro, ‘O Amor Venceu’, levou cinco anos para ficar
pronto”, diz. Talvez como prêmio pela determinação e compromisso, Lúcius, que
havia ditado o livro, mas ainda não havia se apresentado, finalmente se
identificou, assinando a última página. “Acho que ele se sentiu satisfeito com a
parceria”, afirma a autora.
Até hoje, “O Amor Venceu” (1958) que, como não poderia deixar de ser, conta uma
história de amor, só que no Egito antigo, vendeu mais de meio milhão de cópias.
Foi, ao mesmo tempo, o livro que abriu o universo espírita para milhões de
brasileiros, por tratar do tema de forma leve e romanceada, e colocou Zibia no
mapa dos mundos mediúnico e editorial. Recheado de referências a Allan Kardec,
que sistematizou a doutrina, e ao espiritismo formal, o título estabeleceu uma
espécie de formato para boa parte dos romances da médium até a segunda metade
dos anos 1990 – ricamente descritivos, longos, com enredos que se passam em
tempos e países distantes e versando sobre temas universais, como amor e ódio,
felicidade e sofrimento, justiça e injustiça e fé e incredulidade. Entre 1958 e
1993, Zibia publicou dez romances nesse estilo, entre eles um de seus maiores
best-sellers, “Laços Eternos”, de 1976, que já vendeu 825 mil cópias e cuja
adaptação para o teatro, em cartaz desde 1991, atraiu mais de 200 mil
espectadores.
Ainda que colhendo resultados expressivos até meados dos anos 1990 dentro do
formato que criou na década de 1950, Zibia, em seus contatos com livreiros e já
com experiência como dona de editora – em 1982, ela fundou a Editora Caminheiros
–, começou a perceber que o perfil do leitor de obras espíritas no Brasil estava
mudando. Certo dia, então, o espírito Lucius, segundo a autora, igualmente
antenado, deu os primeiros sinais de que mudaria o estilo de suas narrativas.
Mas foi só no romance de número 11, intitulado “Pelas Portas do Coração”, de
1995, que a mudança se concretizou. De leitura mais ágil, apoiado em diálogos e
quase sem referências ao espiritismo ou a Allan Kardec e com trama
contemporânea, o título marcou o início de uma segunda, e mais voraz, etapa da
produção literária da autora (leia quadro abaixo). “Mudei por orientação dos
espíritos”, afirma. “Lucius me disse que precisava sair do rótulo espírita.”
Outra influência, essa mais terrena, também contribuiu para viabilizar a guinada
da médium para o mercado. Na época, Luiz Gasparetto, seu filho, então com 46
anos, estava promovendo uma verdadeira revolução no espiritismo nacional. Seus
outros dois filhos, Pedro e Irineu, também são médiuns. Pedro administra o
curtume da família em Mogi das Cruzes e Irinei é músico e apresetador de rádio.
Luiz, prático e despojado como poucas lideranças da sisuda religião, já era
referência mundial no ramo da pintura mediúnica, tinha em seu currículo
passagens por centros de referência em estudo de terapias alternativas e vinha
dando disputadas palestras motivacionais com discurso que misturava as bases do
espiritismo com técnicas de aprimoramento pessoal propaladas pelo movimento
“Nova Era”.
Com uma visão completamente diferente do sucesso e, principalmente, do dinheiro,
Luiz eliminou a noção de que o trabalho mediúnico devia ser gratuito, como
pregava a Federação Espírita. E Zibia acolheu as orientações do filho. Fechou a
“Associação Cristã de Cultura Espírita Os Caminheiros”, um centro espírita
clássico fundado em 1969 pela família Gasparetto e mantido com dinheiro das
vendas de seus livros, e passou a se dedicar exclusivamente à nascente Vida e
Consciência, editora fundada por ela com os filhos Luiz e Silvana. Nos dez anos
seguintes, entre 1995 e 2005, produziu o que havia levado 37 anos para fazer
quando ainda dividia seu tempo com as obrigações e compromissos espíritas. “É
curioso observar as mudanças na produção literária de Zibia depois das novidades
apresentadas pelo Luiz”, afirma Sandra Jacqueline Stoll, doutora em antropologia
social pela Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro “Espiritismo à
Brasileira” (Edusp, 2003). Pendendo pesadamente para a auto-ajuda, mas ainda com
a rubrica de Lucius, seus novos livros venderam como água.
O maior best-seller
da carreira, “Ninguém é de Ninguém”, por exemplo, foi lançado em 2000 e vendeu
860 mil cópias. “Ela passou a seguir um ritmo de lançamentos parecido com o dos
grandes autores”, diz Sandra. Com pelo menos um livro novo por ano, sempre em
outubro, para pegar carona nas compras de Natal, ela chegou a emplacar dois
títulos simultaneamente na lista de mais vendidos do País, feito que só autores
do quilate de Paulo Coelho haviam conseguido.
“Hoje não tenho religião, mas não me incomodo de ser chamada de espiritualista”, diz Zibia (leia quadro acima). A tolerância com a nova categorização faz sentido. Para Reginaldo Prandi, professor do departamento de sociologia da USP e autor do livro “Os Mortos e os Vivos” (Ed. Três Estrelas, 2012), é justamente no chamado espiritualismo que boa parte dos egressos do espiritismo, sedentos pela livre associação da doutrina ortodoxa da religião com novidades como a cromoterapia, a energização de cristais e a autoajuda, vai se encaixar. “É um grupo que reúne quem não tem interesse em se conformar com conjuntos de regras”, afirma.
“Hoje não tenho religião, mas não me incomodo de ser chamada de espiritualista”, diz Zibia (leia quadro acima). A tolerância com a nova categorização faz sentido. Para Reginaldo Prandi, professor do departamento de sociologia da USP e autor do livro “Os Mortos e os Vivos” (Ed. Três Estrelas, 2012), é justamente no chamado espiritualismo que boa parte dos egressos do espiritismo, sedentos pela livre associação da doutrina ortodoxa da religião com novidades como a cromoterapia, a energização de cristais e a autoajuda, vai se encaixar. “É um grupo que reúne quem não tem interesse em se conformar com conjuntos de regras”, afirma.
Mas a guinada que levou os Gasparetto a se distanciarem dos preceitos
balizadores do espiritismo não veio sem críticas. Para muitos, a máxima do “dai
de graça o que recebestes de graça” foi relegada em nome da vaidade e do
dinheiro. Muitos exigiam, inclusive, que Zibia abrisse mão dos direitos autorais
dos livros que recebia dos espíritos, como fez Chico Xavier, o maior psicógrafo
brasileiro de todos os tempos. “O Chico abriu mão dos direitos dos livros dele,
mas uma vez chorou para mim, arrependido do que tinha feito”, revela Zibia.
Não dá para negar que, à sua maneira, a autora mediúnica trabalha pela expansão do que ela acredita ser o caminho certo para o espiritualismo no Brasil. Além do compromisso com a produção de livros, ela hoje tem um programa semanal de rádio e, no começo do ano, lançou uma rede de televisão na internet. Batizada de Alma e Consciência TV (ACTV), ela é administrada por seu neto René Gasparetto, tem quatro horas diárias de programação e, em breve, deve começar a produzir telenovelas baseadas nos livros da matriarca. “É um projeto que começou há um ano e meio e ainda dá prejuízo, mas é uma aposta nossa”, diz Silvana. Mais uma frente que se abre para a família que, liderada por Zibia Gasparetto, construiu um império espírita que não para de crescer.
Não dá para negar que, à sua maneira, a autora mediúnica trabalha pela expansão do que ela acredita ser o caminho certo para o espiritualismo no Brasil. Além do compromisso com a produção de livros, ela hoje tem um programa semanal de rádio e, no começo do ano, lançou uma rede de televisão na internet. Batizada de Alma e Consciência TV (ACTV), ela é administrada por seu neto René Gasparetto, tem quatro horas diárias de programação e, em breve, deve começar a produzir telenovelas baseadas nos livros da matriarca. “É um projeto que começou há um ano e meio e ainda dá prejuízo, mas é uma aposta nossa”, diz Silvana. Mais uma frente que se abre para a família que, liderada por Zibia Gasparetto, construiu um império espírita que não para de crescer.
Fotos: João
Castellano/ag. istoé
Fotos: João Castellano/ag. istoé; ZECA WITTNER/ESTADãO CONTEúDO/AE
Fontes: Sandra Jacqueline Stoll, Reginaldo Prandi, Revista Planeta (mar. 1991, ago. 1991, set. 1995), Revista de História da Biblioteca Nacional, Revista IstoÉ
Fotos: PAULO PINTO/ESTADãO CONTEúDO/AE
Foto: ESTADãO CONTEúDO/AE
fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/paginar/302900_A+SENHORA+DOS+ESPIRITOS/2
Fotos: João Castellano/ag. istoé; ZECA WITTNER/ESTADãO CONTEúDO/AE
Fontes: Sandra Jacqueline Stoll, Reginaldo Prandi, Revista Planeta (mar. 1991, ago. 1991, set. 1995), Revista de História da Biblioteca Nacional, Revista IstoÉ
Fotos: PAULO PINTO/ESTADãO CONTEúDO/AE
Foto: ESTADãO CONTEúDO/AE
fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/paginar/302900_A+SENHORA+DOS+ESPIRITOS/2