segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Entrevista com a autora do livro 'Mentes Perigosas...

... - O psicopata mora ao lado'

“O ensinamento de ética, solidariedade e altruísmo inicia-se no berço”

A Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva (foto), nossa entrevistada da semana, é médica-psiquiatra e escritora, além de professora Honoris Causa pela UniFMU (SP) e presidente da AEDDA – Associação dos Estudos do Distúrbio de Déficit de Atenção (SP).

Diretora das clínicas Medicina do Comportamento no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde faz atendimento aos pacientes e supervisão dos profissionais da sua equipe (médicos e psicólogos), realiza palestras, conferências, consultorias e entrevistas sobre variados temas do comportamento humano. Na entrevista seguinte, ela nos fala sobre os temas psicopatia e bullying, por ela examinados a partir do seu trabalho como escritora e terapeuta do comportamento humano.


Em sua opinião, o que é o divino em nós?


Entendo que a nossa consciência seja essa expressão e, quem sabe, uma fração incalculável do tão falado e pouco praticado amor universal ou incondicional. Qualquer história sobre consciência é relativa à conectividade que existe entre todas as coisas do universo. Por isso, mesmo de forma inconsciente, alegramo-nos sim frente à natureza gentil dos atos de amor.

Em seu livro: 'Mentes Perigosas - O psicopata mora ao lado', a senhora fala sobre psicopatia. Qual é a definição de um psicopata?

É o indivíduo que apresenta um Transtorno de Personalidade, que se caracteriza por total ausência de sentimento de culpa, arrependimento ou remorso pelo que faz de errado, falta de empatia com outro e de emoções de forma geral (amor, tristeza, medo, compaixão etc.).

Como eles se apresentam no convívio social?

São frios e calculistas, mentirosos contumazes, egocêntricos, megalômanos, parasitas, manipuladores, impulsivos, inescrupulosos, irresponsáveis, transgressores de regras sociais; muitos são violentos e só visam o interesse próprio. Eles estão infiltrados em todos os meios sociais, credo, sexo, cultura e são capazes de passar por cima de qualquer pessoa apenas para satisfazer seus sórdidos interesses. Podemos dizer que são verdadeiros “predadores sociais”, almejam somente poder, status e diversão e usam as pessoas apenas como troféus ou peças do seu jogo cruel.

Nós espíritas entendemos que somos seres reencarnados, cada qual trazendo um complexo psicológico. Como reconhecer um psicopata?

Não é uma tarefa tão fácil. A maioria não tem aparência má ou descuidada e não possui marcas que o possam identificar. São verdadeiros atores da vida real. Mas ter cautela é sempre importante quando não se conhece alguém ainda muito bem. Checar seus hábitos, saber um pouco do seu passado, ficar atento ao joguinho “da pena”, “do coitadinho” (todos fazem isso num determinado momento). Eles são muito habilidosos em usar da nossa boa fé.

Como seres reencarnados, apresentamos desde cedo uma tendência psicopática ou ela se mostra só mais tarde no transcurso da vida física?

A medicina só pode dar o diagnóstico de psicopatia a partir dos 18 anos. No entanto, ninguém se transforma em psicopata de um dia para o outro. O indivíduo já nasce psicopata. Assim, fica claro que uma criança e um adolescente também apresentam condutas maldosas ou são genuinamente perversos. Isso se percebe nos maus tratos com os irmãos, coleguinhas e animais, nas mentiras recorrentes, roubos de pertences dos outros, transgressões de regras sociais, e especialmente na falta de afeto.

Como é feito o diagnóstico?

É basicamente clínico, ou seja, através da observação do comportamento e do histórico de vida do indivíduo. O exame deve ser rigoroso e o profissional estar muito atento, uma vez que os psicopatas são manipuladores e podem se passar por “gente do bem”. Normalmente são os pais que levam seus filhos ao consultório, por não aguentarem mais o seu comportamento desafiador ou transgressor ou por acharem que falharam na educação deles. Já os adultos dificilmente procuram por um consultório psiquiátrico ou psicológico.

Em sua opinião de médica, psicopatia tem cura?

Psicopatia é um modo de ser. O que o médico e/ou terapeuta podem fazer é dar suporte e oferecer tratamento às vítimas dos psicopatas, uma vez que são elas que verdadeiramente sofrem. Por mais bizarro que possa parecer, os psicopatas parecem estar inteiramente satisfeitos consigo mesmos e não apresentam constrangimentos morais ou sofrimentos emocionais como depressão, ansiedade, culpas, baixa autoestima etc. Assim, não é possível tratar um sofrimento inexistente. Se tivesse que modular (diminuir o poder de fogo deles) seria na infância com regras e limites claros, sabendo que serão punidos de alguma forma. Por exemplo: uma criança que tem tendência à psicopatia grave, por meio de um rigor educacional, pode tornar-se moderada. Mas os pais precisam estar atentos desde muito cedo e não largar do pé, o que é muito difícil.

O que mais assusta nos psicopatas em seus relacionamentos humanos?

Nas diversas esferas do relacionamento humano, os psicopatas são capazes de passar por cima de qualquer pessoa apenas para satisfazer seus próprios interesses. Podemos dizer que são verdadeiros “predadores sociais”, e às vezes seus atos são tão chocantes que nos recusamos instintivamente a reconhecer sua existência. O lado bom é que, segundo a classificação americana de transtornos mentais (DSM-IV-TR), a prevalência geral do transtorno da personalidade antissocial ou psicopatia é de cerca de 3% em homens e 1% em mulheres. Quase 96% das pessoas são consideradas possuidoras de uma base razoável de decência e responsabilidade. Os homens são naturalmente mais impulsivos e agressivos que as mulheres e podem revelar a psicopatia com mais facilidade e/ou visibilidade. Já as mulheres apresentam uma perversidade mais sutil, camuflada, no campo das intrigas. Eles são muito habilidosos em usar da nossa boa fé. Alguns cuidados são importantes, mas o essencial é tomar distância absoluta e jamais compactuar com alguém dessa natureza.

Recentemente a senhora lançou o livro BULLYING: Mentes Perigosas nas Escolas. Afinal, o que é bullying?

A palavra bullying ainda é pouco conhecida do grande público. De origem inglesa e sem tradução ainda no Brasil, é utilizada para qualificar comportamentos agressivos no âmbito escolar, praticados tanto por meninos quanto por meninas. Os atos de violência (física ou não) ocorrem de forma intencional e repetitiva contra um ou mais alunos que se encontram impossibilitados de fazer frente às agressões sofridas. Tais comportamentos não apresentam motivações específicas ou justificáveis. Em última instância significa dizer que, de forma “natural”, os mais fortes utilizam os mais frágeis como meros objetos de diversão, prazer e poder, com o intuito de maltratar, intimidar, humilhar e amedrontar suas vítimas.

Quais são as formas de como é praticado o bullying?

Verbal, físico e material, psicológico e moral, sexual, virtual.

Quais são os principais problemas que uma vítima de bullying pode enfrentar na escola e ao longo da sua encarnação?

São as mais variadas possíveis e dependem muito de cada indivíduo, de sua estrutura, vivências, pré-disposição genética, da forma e intensidade das agressões. No entanto, todas as vítimas, sem exceção, sofrem com os ataques de bullying (em maior ou menor proporção). Muitas levarão marcas profundas provenientes das agressões para a vida adulta, e necessitarão de apoio psiquiátrico e/ou psicológico para a superação do problema.

Pode dizer sobre os problemas mais comuns causados pelo bullying?

Os que observo em consultório são: desinteresse pela escola; problemas psicossomáticos; problemas psíquico-comportamentais como transtorno do pânico, depressão, anorexia e bulimia, fobia escolar, fobia social, ansiedade generalizada, entre outros. O bullying também pode agravar problemas pré-existentes, devido ao tempo prolongado de estresse a que a vítima é submetida. Em casos mais graves, podemos observar quadros de esquizofrenia, homicídio e suicídio.

Como podemos perceber quando uma criança ou adolescente está sofrendo bullying? Qual o comportamento típico desses jovens?

Na escola, durante o recreio encontram-se isoladas do grupo, ou perto de alguns adultos que possam protegê-las; na sala de aula apresentam postura retraída, faltas frequentes às aulas, mostram-se comumente tristes, deprimidas ou aflitas; nos jogos ou atividades em grupo sempre são as últimas a serem escolhidas ou são excluídas; aos poucos vão se desinteressando das atividades e tarefas escolares; e em casos mais dramáticos apresentam hematomas, arranhões, cortes, roupas danificadas ou rasgadas. Em casa frequentemente se queixam de dores de cabeça, enjoo, dor de estômago, tonturas, vômitos, perda de apetite, insônia. Mudanças frequentes de estado de humor, com explosões repentinas de irritação ou raiva. Geralmente não têm amigos ou bem poucos, utilizam menos o telefone e e-mails. Todos esses sintomas tendem a ser mais intensos no período que antecede o horário de as vítimas entrarem na escola.

E o contrário? O que podemos observar no comportamento de um praticante de bullying?

Na escola os agressores fazem brincadeiras de mau gosto, gozações, colocam apelidos pejorativos, difamam, ameaçam, constrangem e menosprezam alguns alunos. Perturbam e intimidam por meio de violência física ou psicológica. Furtam ou roubam dinheiro, lanches e pertences de outros estudantes. Costumam ser populares na escola e estão sempre enturmados. Divertem-se à custa do sofrimento alheio. No ambiente doméstico, mantêm atitudes desafiadoras e agressivas em relação aos familiares. São arrogantes no agir, falar e vestir, demonstrando superioridade. Manipulam pessoas para se safar das confusões em que se envolvem. Costumam voltar da escola com objetos ou dinheiro que não possuíam.

O praticante de bullying é mais “pensador” ou “executor”?

Podem apresentar-se das duas formas, ou seja, como o articulador ou como o executor. Em ambos os casos eles são os agentes geradores e propagadores da violência entre os estudantes. O pensador é bem mais perigoso, os executores são seus “soldadinhos”.

Sabemos da importância dos pais na vida dos filhos. Pode-se dizer que o praticante de bullying começa em casa?

Sim, sem dúvida. Para que os filhos possam ser mais empáticos e agir com respeito ao próximo é necessário primeiro rever o que ocorre dentro de casa. Os pais, muitas vezes, não questionam suas próprias condutas e valores, eximindo-se da responsabilidade de educadores. O exemplo dentro de casa é fundamental. A escola é corresponsável nos casos de bullying, pois é nela que os comportamentos agressivos e transgressores se evidenciam ou se agravam na maioria das vezes. A boa escola não é aquela onde o bullying não ocorre, mas sim aquela que tem uma postura proativa e eficaz em face do problema.

Suas palavras finais.

Quanto aos psicopatas, existe uma fração minoritária que mostra uma insensibilidade tamanha que suas condutas criminosas podem atingir perversidades inimagináveis. Quanto ao bullying, é estarrecedor observar que crianças que deveriam estar brincando ou folheando livros nas escolas trafiquem drogas, empunhem armas e apertem gatilhos sem qualquer vestígio de piedade. Trata-se de crianças ou adolescentes que apresentam a transgressão como base estrutural de suas personalidades. Falta-lhes o sentimento essencial para o exercício do altruísmo. O ensinamento de ética, solidariedade e altruísmo inicia-se no berço e se estende para o âmbito escolar, onde as crianças e adolescentes passarão grande parte do seu tempo. A direção da escola deve acionar os pais, o Conselho Tutelar, os órgãos de proteção à criança e ao adolescente etc. Admitir que o bullying ocorre em 100% das escolas do mundo todo (públicas ou privadas) é o primeiro passo para o sucesso contra essa prática indecorosa.

*Entrevista feita por Guaraci Lima Silveira, publicada na revista O Consolador, Ano 5 - N° 224 - 28 de Agosto de 2011.