Por Liana D’ Menezes
De todas as expressões que venho ouvindo ao longo dos anos em relação ao perdão, existe uma que me tocou tão profundamente o coração, que sempre me lembro dos olhos e da expressão inflexível de Marília, amiga querida que há anos não vejo.
Insistia Marília não ser capaz de perdoar, embora reconhecesse a sensação amarga de desconforto que carregava dentro do peito. O perdão, afirmava, não fazia parte do seu vocabulário, nem tampouco das ações diárias.
Em determinada situação, disse-me com ares condicionais: “... se fulano me procurar e me pedir perdão, talvez eu até consiga desculpá-lo. Mas perdoar, jamais. E não espere que eu vá até ele...”.
Não foram poucas as vezes, confesso, que tentei me desvencilhar da presença tantas vezes desagradável de Marília e de suas rígidas e inflexíveis posturas diante da vida. Mas a insistência dela em manter comigo conversas que no fundo se revelavam como intermináveis monólogos, me fizeram sentir o quão necessitada de paz interior ela estava.
Finalmente em uma dessas conversas, depois de muitas argumentações, Marília me olhou nos olhos e me desafiou, claro, ávida de amor: “Então, ensine-me a perdoar, porque eu não consigo”.
Desconcertada diante daquela rogativa, imediatamente lembrei-a dos exemplos singulares deixados por Jesus, o doce rabi da Galileia. Depois, a reboque, como era importante que ela se desarmasse diante de si mesma, que deixasse fluir o amor crístico que trazia dentro de si e que latente pedia passagem por todo o seu corpo.
Daí para frente a jornada de nossa irmã rumo à caminhada evolutiva prosseguiu. Não sei dizer se aprendeu a perdoar, se conheceu a alegria do perdão, se deixou a luz entrar em seu coração ou mesmo se começou a escrever uma nova história em seu livro da vida, porque como disse, há muito não sei de Marília.
Relatei essa passagem porque ainda hoje, assim como nossa Marília, nos pegamos tantas vezes inflexíveis, irredutíveis, orgulhos e impassíveis diante de nossos irmãos, como se estivéssemos acima do bem e do mal, mesmo conhecendo os exemplos de humildade, de generosidade e de amor incondicional deixados pelo Mestre, como único caminho a ser percorrido por nós.
Em sua passagem pela Terra, Jesus nos deixou o legado do perdão em fraternas lições de vida, embora de antemão soubesse da nossa pequenez e dificuldade em despir-nos do orgulho, da vaidade e das atitudes egóicas que nos acorrentam à estagnação.
No capítulo XVIII, vv. 15, 21 e 22 do evangelho de Mateus, o apóstolo nos narra uma das mais belas passagens sobre o perdão, nos orientando que não há limites para perdoar, ao contrário de nossa Marília, ao dizer condicionalmente, “(...) se ele me procurar e me pedir perdão, posso até desculpá-lo, mas perdoar, jamais (...), contrapondo-se aos ensinamentos do Mestre Jesus.
(...) Então, aproximando-se dele disse-lhe Pedro: “Senhor, quantas vezes perdoarei a meu irmão, quando houver pecado contra mim? Até sete vezes?” Respondeu-lhe Jesus: “Não vos digo que perdoareis até sete vezes, mas até setenta e sete vezes sete vezes (...)”
Se nossa Marília vinha se contrapondo aos exemplos de Jesus, o que dizer de nós - esclarecidos por essa Doutrina de Amor e Caridade que nos recebe, ampara, respalda e impulsiona ao progresso - que inúmeras vezes ainda nos fechamos em posições tão duras?
O fato é que, se continuarmos na demora em dar o primeiro passo sempre diante de qualquer situação que esteja em nossas mãos interceder, esclarecer e harmonizar, continuaremos sintonizados com nossos desafetos, a eles vinculados por sentimentos de raiva, de dor, de mágoa e até por que não dizer de vingança e ódio.
Sabendo que o tempo urge para a Grande Transição, não nos cabe mais alimentar essa sintonia de endividamentos futuros para com nossos irmãos nem para com o Planeta.
(...) Reconciliai-vos o mais depressa possível com vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho (...), lembra-nos Mateus em seu evangelho, ainda no capítulo VIII, versículos 25 e 26.
Toca profundamente a alma lembrar os momentos finais de Jesus na cruz, depois de tanta dor, de tanta agressão e humilhação. Diante de seus algozes, rogou ao Pai Divino que os perdoasse porque entendia que eles não sabiam o que estavam fazendo.
Que exemplo ainda precisamos para mudar nossas atitudes? A quem mais interessa insistir que não é, senão dever de cada um de nós, a iniciativa da reconciliação, estejamos nós na posição de ofensores ou ofendidos?
Ir, não de encontro, mas, ao encontro do nosso irmão, quantas vezes forem necessárias para que a sintonia do amor incondicional finalmente se estabeleça de forma dinâmica e multiplicadora.
Sabendo de nossas reincidentes falhas, de nossas limitações e do tempo que levaríamos para o despertar moral, Jesus em sua infinita bondade e paciência, nos enviou à hora da maturidade e do entendimento, o Consolador prometido, para que pudéssemos nos lapidar, marchar rumo ao progresso da fé raciocinada e assim, evoluirmos cada qual a seu tempo, como espíritos imortais que somos.
Se é preciso ir ao encontro do irmão sempre que necessário empunhando a bandeira crística do amor, também é preciso caminhar ao encontro do nosso ser. Olhando-nos profunda e amorosamente, com a misericórdia necessária para o auto-perdão, libertando-nos, assim, das culpas pretéritas, desta ou de outras vidas.
O perdão é uma ferramenta que o Divino Pai nos concede a cada dia para que possamos enxergar nos desafios diários, a oportunidade da remissão de nossas falhas, a coragem, o sentimento de alegria e gratidão necessários para prosseguirmos altivos e de cabeça erguida a nossa eterna caminhada.
*Artigo extraído do site da FEEMT.