quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Jesus nunca resolveu problema particular

Sempre que lemos num livro de Carlos A. Baccelli – e eles são dezenas – frases atribuídas a Francisco Cândido Xavier, imaginamos como o escritor as colheu. Ele mesmo conta que, durante três décadas, amigo do saudoso médium de Uberaba, frequentou sua casa e o acompanhou em muitas atividades, sempre com papel e lápis na mão, anotando o que dizia.
 
Que tenhamos notícia, durante todo esse tempo, Chico jamais contestou a autenticidade de suas citações. Isto aconteceu, por exemplo, com o livro O Evangelho de Chico Xavier, publicado pela Casa Editora Espírita Pierre-Paul Didier em 2000, dois anos portanto antes da partida deste mundo daquele que foi, no século passado, a maior e mais sensível antena psíquica deste planeta.
 
Lá encontramos ensinamentos nada apreciados pelos pedidores de graças divinas sem a intenção de aprimoramento moral:
 
– Os espíritos amigos sempre se mostram dispostos a nos auxiliar, mas é preciso que, pelo menos, lhes ofereçamos uma base. Muitos ficam na expectativa do socorro do Alto, mas não querem nada com o esforço de renovação. Querem que os espíritos se intrometam na sua vida e resolvam os seus problemas.
 
Ora, nem Jesus Cristo, quando venho à Terra, se propôs resolver o problema particular de alguém. Ele se limitou a nos ensinar o caminho, que necessitamos palmilhar por nós mesmos. Muita gente nos procura e pede orientação, a orientação vem, frustrando quem espera uma solução acabada para o seu caso. Os espíritos amigos nos acompanham o entendimento, o olvido das ofensas recebidas. Se não as queremos esquecer, o que é que eles poderão fazer?!
 
Médium não é santo nem privilegiado
 
Aos que confundem médiuns com santos, Chico apresenta sua experiência própria:
 
– A mediunidade nunca me isentou de meus problemas pessoais. Mediunidade não é condição de santidade. Sempre tive os meus problemas, estou cheio deles, como qualquer pessoa. Não tenho privilégios. Eu me sentiria envergonhado se a mediunidade me concedesse uma situação especial.
 
Como é que eu deveria estar diante daqueles que me procuram? Como dizer a eles algumas palavras, desconhecendo, em mim mesmo, o drama que estão vivenciando?
 
Nunca vi privilégios na mediunidade, pelo menos comigo não! E não seria capaz de entender um médium que, justamente por ser médium, fosse poupado de suas provas. Quando mais eu apanhava, mais produzia. A coisa apertava para o meu lado, Emmanuel aparecia e me mandava pegar lápis e papel para trabalhar...
 
Devo seguir o meu caminho com o mais absoluto respeito ao caminho dos outros. Sei que não passo de um cisco. Não me considero melhor do que ninguém.
 
Se os espíritos amigos não conversassem comigo, talvez eu não passasse de um louco.
 
Ninguém irá se redimir apenar porque vive perto de mim. Eu não sou santo! Deus me livre dessa ideia de santidade que os outros fazem de mim. Cada qual faça por si mesmo o esforço que deve fazer. De minha parte, estou lutando muito para melhorar.
 
Invejo os companheiros de centro espírita que podem orar sem tanto tumulto em volta. Às vezes tenho vontade de ir a um centro tomar um passe, mas não posso. Não querem deixar que eu seja uma pessoa comum.
 
Falo com os nossos amigos: vocês trabalhem para si mesmos. Eu não sou patrão de ninguém, ninguém é meu empregado. Estou fazendo a minha parte, vocês façam a sua.
 
Fora do amor, não há salvação
 
No Evangelho de Chico Xavier, uma criatura que respeitava todas as religiões, encontramos porque ele preferiu o Espiritismo:
 
– Eu nunca tive tempo para tentar convencer o meu pessoal. Os que quiseram me acompanhar, acompanharam. Eu não podia ficar com eles. Todos sempre me respeitaram e eu sempre os respeitei.
 
Quando minhas irmãs vinham me ver, eu preparava o quarto delas, colocando nele as imagens dos santos de sua devoção. Nunca quis mudar a religião de ninguém, porque, positivamente, não acredito que a religião A seja melhor que a religião B. Nas origens de toda religião cristã está o pensamento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quem seguir o Evangelho...
 
De modo que os meus familiares sempre me respeitaram a opção religiosa, mas eu também nunca quis convencê-los de que estava com a Verdade. Aliás, o Espiritismo não tem esta pretensão. Se Allan Kardec tivesse escrito que “fora do Espiritismo não há salvação “, eu iria por outro caminho. Graças a Deus, ele escreveu: “fora da caridade”, ou seja, fora do amor, não há salvação...
 
Estamos na Terra para compreender os outros e não para exigir que os outros nos compreendam, porque a obrigação é nossa. Não é criticando que vamos resolver o problema, nem censurando.
 
Não precisamos esperar a formação de um grupo espírita para recepção de pessoas santas. Chegarão primeiro os mais infelizes, vão contar as mágoas, às vezes até os seus crimes, vêm atrás de amor. “Misericórdia quero, não sacrifício”. O Senhor nos pede misericórdia, não crítica, não preguiça.
 
Estamos numa Doutrina de muito serviço, então trabalhemos sem espírito de antagonismo e reprovação. Aquele que vem até nós é nosso irmão, nossa irmã.
 
*Texto extraído do site Diário da Manhã, por Javier Godinho.