segunda-feira, 3 de junho de 2019

Ser espírita

Conhecedores da Doutrina abençoada, precisamos ainda da ligação íntima e profunda com o Pai

Todos nós, espíritas, já nos cansamos de ler, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, os magníficos trechos sobre o homem de bem e os bons espíritas (capítulo XVII, itens 3 e 4). São um verdadeiro roteiro de vida, com tudo o que o Mestre Jesus nos ensinou, explicado em profundidade.

Mas, no mundo de expiações e provas em que vivemos, seremos todos nós, os espíritas, homens de bem e bons espíritas.

Espírita que sou, desde que me alfabetizei, aos sete anos de idade, quando comecei a ler os livros de Kardec (há setenta e três anos, portanto), tive a graça de conviver com homens de bem (muitos dos quais nem eram espíritas) e com bons espíritas ou grandes espíritas (não tantos), enquanto a maioria de nós outros apenas nos dizemos espíritas. Alguns até afirmam: “estou tentando ser espírita”, como se ser espírita fosse sinônimo de perfeição. Quando ouço esta afirmação, logo a corrijo: “se você aceita os princípios da Doutrina, é sim, espírita. Pode não ser um bom espírita, mas por conhecer o Espiritismo, já se torna um deles.”

Como tive a graça de conhecer bons espíritas, também tive a graça de conhecer os espíritas que não eram bons. Digo graça porque foi com estes que aprendi mais, principalmente a desenvolver a tolerância e a paciência — para mim, um dos maiores ensinamentos que a Doutrina me traz — e saber que cada um de nós, espiritas e não espíritas, estamos num grau de evolução: uns mais abaixo, outros um pouquinho acima e poucos já numa escala mais alta.

O esclarecimento que a Doutrina traz nos dá forças para nos melhorarmos, muitas forças. Mas nem todos temos condições de absorver estas forças, pela fraqueza que ainda nos é inerente, como diz o apóstolo Paulo: “Eu sou forte, n’Aquele que me fortalece” (Fil, 4:13). Isto significa que só do Pai vem a força completa para podermos galgar a escadaria do progresso.

Assim, conhecedores da Doutrina abençoada, precisamos ainda da ligação íntima e profunda com o Pai para ter as forças necessárias e pôr em execução tudo o que sabemos.

Há pouco tempo, uma pessoa me disse que considera os espíritas orgulhosos, porque se acham os donos da verdade e melhores, mais evoluídos do que os outros. Esta afirmação fez-me refletir muito em como isto é verdade nas lides espíritas.

E, de repente, surge o escândalo de conhecido médium de cura e a que assistimos: federações e vários centros espíritas apressando-se em declarar que “ele não é um espírita, é apenas um médium, sem nenhum vínculo com a Doutrina”.

Esta postura pareceu-me exatamente confirmar a afirmação anterior, de que “os espíritas se acham os donos da verdade e melhores, mais evoluídos do que os outros”. E se ele fosse espírita? Seria diferente alguma coisa? Não haveria o crime?

Eu desconheço esta pessoa, mas e se ela conhecer o Espiritismo, aceitar os seus princípios, dizer-se até espírita e cometer estes crimes de que é acusada, em que isto diminui a Doutrina? É só mais um irmão nosso, infeliz, porque ainda não encontrou forças para vencer as suas imperfeições.

Assisti a uma entrevista na TV Mundo Maior, de conhecido espírita, André Marouço (em 10/12/2018), de que não nos precipitássemos em julgar antes de provas da Justiça (foi no início do escândalo), mas se fosse verdade teríamos de entender a fragilidade humana, que faz parte de todos nós. Esta é uma postura correta no meu parecer e está de acordo com o que nos ensina O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo XI, item 13, Caridade com os criminosos.

Ter caridade com os criminosos não significa que endossamos os seus crimes, mas que entendemos as suas fragilidades no bem, a sua evolução ainda precária e que precisam da nossa compreensão e caridade. Que a Justiça humana e a Divina se encarreguem de fazê-lo sofrer a punição necessária, mas nós, como pessoas humanas e frágeis, tenhamos piedade de sua infeliz condição.

Mais uma observação que ainda acho importante fazer. Perguntaram-me também como uma pessoa, com tão graves erros, teve ajuda dos bons Espíritos para realizar tantas curas, importantes, que ele realmente realizou.

Ninguém conhece os meandros divinos, mas há uma possibilidade muito grande de ele não ser um médium, no sentido de intermediário, mas apenas um magnetizador, potente, com energias muito intensas, como os magnetizadores que trabalhavam com Mesmer e que Kardec estudou. A capacidade de cura deles era ou é apenas do seu magnetismo pessoal. É um dom recebido de Deus e do qual ele deverá prestar contas ao Pai pelo bom ou mau uso que dele fizer.

Peço desculpas aos leitores se feri suscetibilidades, mas a nossa intenção foi apenas possibilitar reflexões mais profundas sobre o tema.

Por Dorothy Jungers Abib (abibdorothy@uol.com.br) publicada no site de O Clarim em 01/06/2019.