... punido com até 6 meses de prisão.
Artigo 157 também previa multa de até 500 mil réis. Espíritas foram
processados por 'atentar contra a saúde pública'.
A partir de 1890, ser espírita no Brasil era crime punido com multa e
detenção de 1 a 6 meses. Nem a declaração do país como Estado laico, em
1891, ajudou. Antes da República, os espíritas eram alvos costumeiros de ataques
da imprensa, reclamações de médicos e oposição da Igreja Católica. Depois, com
Constituição republicana e tudo, ficou ainda pior.
Espíritas também teriam sido usados como bodes expiatórios para diminuir a
oposição do catolicismo ao regime republicano.
A situação nada confortável é um dos temas tratados pela socióloga Célia da
Graça Arribas em sua dissertação de mestrado, defendida na USP em 2008 (“Afinal,
espiritismo é religião? – A doutrina espírita na formação da diversidade
religiosa brasileira”, trabalho orientado pelo professor Flávio Pierucci).
Contradições
Na primeira Carta republicana, promulgada em fins de fevereiro de 1891, o
artigo 72 previa que “todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer
pública e livremente o seu culto”.
Um ano antes, um decreto (o 119-A) já instituía plena liberdade religiosa: “É
prohibido à autoridade federal, assim como à dos Estados federados, expedir
leis, regulamentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou
vedando-a, e crear differenças entre os habitantes do paiz, ou nos serviços
sustentados à custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões
philosophicas ou religiosas”.
Mas entre uma norma e outra, em 1890 o Código Penal tornou o espiritismo, por
não considerá-lo uma religião, assunto para delegacias de polícia. “Praticar o
espiritismo, a magia e seus sortilegios, usar de talismans e cartomancias para
despertar sentimentos de odio ou amor, inculcar cura de molestias curaveis ou
incuraveis, emfim, para fascinar e subjugar a credulidade publica [art. 157,
na grafia da época]” era crime punível com “prisão cellular por um a seis
mezes e multa de 100$000 a 500$000 [100 mil a 500 mil réis]”.
“Prisão celular” é o mesmo que privação de liberdade, em regime fechado,
cumprida em penitenciária. A multa máxima correspondia a cerca de US$ 270 pelo
câmbio de 1890. Segundo Célia, os efeitos práticos desse artigo se estenderam
até a década de 1960 (mesmo com as alterações do Código de 1940, vigente até
hoje).
A norma – que associa o espiritismo a rituais de magia e adivinhações –
refletia a pressão do clero católico, dos positivistas e até mesmo da classe
médica, “temerosa da disseminação sem controle do curandeirismo”.
Por outro lado, os espíritas também foram usados como bodes expiatórios para
diminuir a oposição do catolicismo ao novo regime, causada pelo desatrelamento
entre a Igreja e o Estado. Em consequência do novo Código Penal, vários
espíritas foram presos a partir de 1891. Em muitos processos, foram acusados de
“atentar contra a saúde pública”.
A socióloga defende que a reivindicação do caráter religioso do espiritismo
durante a primeira República representou justamente a escolha de uma via de
legitimação social. Esse caráter religioso não era algo definido desde o início
do espiritismo – nem na França, nem no Brasil. "Apresentar o espiritismo como
uma religião era visto como solução portadora de uma segurança legal que era
sentida como premente para a existência do movimento espírita em chão
brasileiro", escreve Célia.
*Por Ricardo Muniz Do G1, em São Paulo.