Mesmo depois de quase 46 anos do primeiro transplante de coração pelo médico sul-africano Christiaan Barnard, é comum ouvirmos expressões de dúvidas sobre doação de órgãos. Até hoje, não houve no Brasil uma campanha esclarecedora oficial, sistemática, séria e ampla sobre esse maravilhoso avanço da medicina. Como consequência, as doações continuam tímidas, com atendimento muito aquém das reais necessidades.
A edição deste mês (maio de 2013) da revista Reformador, da Federação Espírita Brasileira, que circula regularmente desde janeiro de 1883, publica interessante matéria de Cristiano Torchi, intitulada “Reflexão sobre a doação de órgãos e transplantes” (veja a matéria aqui), trazendo considerações que podem interessar ao gentil leitor. Doar órgãos é um gesto de amor e caridade no seu mais profundo sentido, desde que seja consciente e espontâneo. Ninguém deve sentir-se obrigado a doar seus órgãos se a ideia não lhe agrada, se não está seguro de tal decisão.
O transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano é um procedimento terapêutico, em benefício de pacientes em situação de risco, aprovado pela maioria da população, segundo as pesquisas realizadas nesse sentido. É de suma importância que o doador comunique essa intenção à sua família, para que, depois de sua morte, sua vontade não deixe de ser atendida.
No sentido ético-religioso, o homem não é dono absoluto do seu corpo, mas usufrutuário dele, como o é de todos os bens materiais sob sua propriedade, que na realidade pertencem a Deus. Na prática do livre-arbítrio e no exercício de sua consciência, pode colocá-lo a serviço do próximo e da medicina.
O corpo físico é o primeiro empréstimo do Criador ao espírito que reencarna. Por que não permitir que esse bem precioso, que não mais será utilizado por quem acaba de desencarnar, favoreça, com a doação, a prorrogação da vida orgânica de outro espírito encarnado, para que este possa, em permanecendo mais tempo na esfera terrestre, aproveitar as oportunidades de crescimento e de progresso, numa espécie de moratória espiritual?
A tecnologia dos transplantes aperfeiçoa cada vez mais esse processo terapêutico, vencendo o tradicional inimigo chamado rejeição, como também o diagnóstico da morte física, sem qualquer prejuízo ao espírito desencarnante, que sempre recebe a proteção do Alto, por seu ato benemérito.
O diagnóstico da morte encefálica, que não se confunde com o estado comatoso, é o critério científico válido, atualmente, para detectar a cessação da vida. A morte é um processo complexo, lento e gradual. A vida não pode ser entendida pela simples presença de sinais vitais isolados em órgãos e tecidos. Morto o encéfalo, não há qualquer possibilidade de reanimar o indivíduo. Os demais órgãos, como pulmão e coração, continuam a funcionar por algum tempo, para logo mais cessar a atividade. É fundamental que os órgãos sejam aproveitados para doação antes que acabem os batimentos cardíacos e a respiração, que podem ser prolongados temporariamente por meios artificiais.
Doar um órgão não dói. Após a morte, sobretudo no homem de evolução mediana, o espírito não tem consciência de si mesmo ao deixar o corpo, uma vez que passa por um período de torpor, de perturbação, que nada tem de penoso para o homem de bem. Este se mantém calmo, semelhante em tudo a quem vivencia as fases de um tranquilo despertar. Os sofrimentos dos espíritos, conforme eles mesmos revelam e está em O Livro dos Espíritos, são as angústias morais, que os “torturam mais dolorosamente do que os sofrimentos físicos”. Portanto, se alguém tiver que sofrer por algum motivo, após a morte física, quer haja cremação ou retirada de órgãos para transplante, a dor será moral e não física e acontecerá independentemente de ser ou não cremado, de ser ou não doador, visto que ninguém sofre desnecessariamente perante as leis divinas. A intenção caridosa do doador de órgãos atrairá a atenção dos espíritos bondosos, que lhe darão ampla assistência, conforme atestam várias mensagens recebidas do plano espiritual, inclusive relativas ao aproveitamento de órgãos de suicidas.
Desde que cesse a vida do corpo, a alma o abandona. A vida orgânica pode animar um corpo sem alma, mas a alma não pode habitar um corpo privado de vida orgânica.
Na dúvida sobre doar ou não nossos órgãos, coloquemo-nos no lugar dos potenciais receptores. Pensemos na mãe aflita que vê seu filho perecer por falta de doador compatível. Meditemos naqueles enfermos que, angustiados, submetem-se às máquinas de hemodiálise, à espera de um rim. Além de tudo, o não doador, hoje, pode ser um receptor, amanhã.
*Por Jávier Godinho, jornalista, para o site do jornal Diário da Manhã.