quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O sentimento de luto é o ódio da perda

Perdas. O luto é uma reação normal, fisiológica, psicológica, com começo, meio e fim. Quando perdemos alguém que se ama, passamos por um estado de muita dor psíquica: revolta natural, raiva, ódio e dizemos: porque fizeram isto conosco, porque Deus tirou a vida da pessoa, enfim, interpretamos a perda como um fato contra nós.

Essa atitude é de negação, de recusa a não reconhecer que a morte se impõe como realidade, não é contra ninguém. Do mesmo modo reagimos com indignação quando vemos que alguns dos nossos desejos, projetos, sonhos, não se realizam. Viver nossos lutos é ter humildade para perder, para sobreviver essa dolorosa experiência: daí o luto ter um tempo adequado para nos refazermos do trauma. Como isso pode ser possível?


Chorando, entristecendo e lembrando das situações boas que passamos com a pessoa que se foi, assim como nos acostumando que uma saída para fazer o luto é ter a pessoa dentro de nós. Só se consegue atravessar o luto aquele que pode carregar em seu interior, dentro de si, a pessoa amada e ter saudade dela. A saudade é uma palavra que só existe na língua portuguesa, é um sentimento triste mas integrado para se preencher a falta de alguém ou de alguma coisa. É na saudade que lembramos, que recordamos o bom que alguém nos foi, e paulatinamente vamos retendo na memória a imagem de uma pessoa viva. Aquele que perdemos se mantém vivo dentro de nós, caso o amor tenha predominado nessa relação. Com isso, quero frisar que podemos atravessar essa turbulência sem transformar o luto em depressão ou melancolia.

A depressão é o ódio à perda. A depressão é a impossibilidade de saber perder, ainda que isso seja doloroso. Existem pessoas que se revoltam, que não admitem a falta, que reagem com furor e raiva. E desenvolvem uma atitude de recusa à realidade. Perdem o sentido de viver, não encontram mais força para refazerem sua vida e terminam por pautarem sua existência com queixas, lamentos, revolta e um sentimento de apatia permanente – estamos diante de uma depressão grave ou melancolia. Necessitam de uma psicoterapia e não muito infreqüentemente, de um tratamento com antidepressivo. Em resumo: depressão é realmente ódio à perda.

Lya Luft, poetisa, contista e romancista, em seu belo livro "Para não dizer adeus", Editora Record, Rio de Janeiro, nos brinda com esse profundo poema:

"Perder, Ganhar
Com as perdas, só há um jeito:
Perdê-las.
Com os ganhos,
O proveito é saborear cada um
Como uma fruta de boa estação.

A vida, como um pensamento,
Corre à frente dos relógios.
O ritmo das águas indica o roteiro
E me oferece um papel:
Abrir o coração como uma vela
Ao vento, ou pagar sempre a conta
Já vencida.”

*Texto extraído do site Partida e Chegada: a vida em dois planos.