Conta-se que Licurgo foi convidado a falar sobre a educação. O grande legislador de Esparta aceitou, mas pediu um ano para preparar o material que iria apresentar. Por que um homem tão sábio ocuparia tanto tempo para compor simples exposição de ideias?
Exigência aceita, prazo cumprido, ei-lo diante da multidão que compareceu para ouvir-lhe os conceitos. Trazia duas gaiolas. Numa estavam dois cães; duas lebres na outra.
Sem nada dizer, tirou um animal de cada gaiola, soltando-os. Em instantes o cão estraçalhou a lebre. Libertou em seguida os restantes. O público estremeceu, antevendo nova cena de sangue.
Surpresa: o cão aproximou-se da lebre e brincou com ela. Esta correspondeu, sem nenhum temor, às suas iniciativas.
− Aí está senhores − esclareceu Licurgo − por que pedi prazo tão extenso, preparando esses animais. O melhor discurso é o exemplo. O que mostrei exemplifica o que pode a educação, que opera até mesmo o prodígio de promover a confraternização de dois seres visceral e instintivamente inimigos.
Harmonizar o cão e a lebre para uma convivência pacífica demandou doze meses. Quanto tempo levará o espírito humano para harmonizar-se com a Vida? Milênios, sem dúvida, mesmo porque o homem terrestre vive o estágio do sonambulismo existencial, alheio às questões fundamentais: quem é? De onde veio? O que faz no Mundo? Para onde vai?
Enredado na rotina, acomoda-se em perturbador imobilismo, gerando frequentes impasses evolutivos − um estacionamento na indiferença, prisioneiro de suas mazelas.
Isso ocorre particularmente no Plano Espiritual em regiões umbralinas, onde estagiam multidões inconsequentes e indisciplinadas, sem outra motivação que a de satisfazer seus impulsos egocêntricos. Por isso a reencarnação é tão importante.
A bênção do recomeço, sem lembranças do passado, ajudando o Espírito a eliminar paixões e fixações que precipitaram seus desvios.
Esse aprendizado é marcado por uma fase sabiamente programada por Deus − a infância, período em que o reencarnante situa-se receptivo aos estímulos que recebe, passíveis de influenciá-lo em favor da própria renovação.
Os pais assustam-se ao tomarem conhecimento do assunto. Afinal, eles próprios trazem suas perplexidades e limitações. Consideremos, entretanto, que o Criador não confiaria a paternidade a pessoas inabilitadas. Seu exercício implica muito mais em consciência do que competência.
Licurgo exemplificou com competência o que pode a educação.
Pais educam seus filhos com a simples consciência de que é preciso exemplificar. Tudo o que é virtuoso, bom, justo, honesto, verdadeiro, podemos ensinar-lhes com o simples empenho de guardar comportamento compatível.
Nesse contexto assusta saber que há multidões de crianças sob os cuidados de pessoas que não têm a mínima condição para dar-lhes educação adequada, por falta de recursos e, sobretudo, porque elas próprias são deseducadas.
Pior − há crianças que vivem nas ruas, sem família, sem amparo, sem orientação, à margem da sociedade.
Que benefício colhe o Espírito que transita pela infância em tal situação, colhendo, não raro, péssimas influências?
Não estaria melhor na espiritualidade?
Não seria conveniente aguardar um berço amigo?
Podemos responder lembrando que há ótimas escolas, bem equipadas, professores competentes, instalações excelentes... E há escolas que funcionam precariamente, com escassos recursos, corpo docente sem experiência...
Talvez fosse conveniente fechar estas últimas...
Ninguém dotado de bom senso cogitaria de semelhante iniciativa. Uma escola fraca é sempre melhor do que a ausência dela.
Assim, no educandário terrestre, ainda que o ambiente não seja o ideal, que os professores sejam falhos, que as condições deixem a desejar, o Espírito estará sendo submetido ao aprendizado da dor, aos estímulos impostos pelas necessidades físicas, às depurações da enfermidade e às limitações disciplinadoras da carne. Tudo isso faz da reencarnação, em qualquer circunstância, um curso básico de vida que lhe agitará a consciência, preparando-o para o despertar da responsabilidade.
*Texto extraído do site Correio Espírita
*Texto extraído do site Correio Espírita