A maioria das pessoas tem, em alguma medida,
medo de morrer. Mais do que saudável, esse sentimento é uma ferramenta de
sobrevivência: é ele, por exemplo, que impede atitudes arriscadas, como
atravessar a rua sem olhar ou não usar equipamentos de segurança ao fazer um
esporte radical.
Porém, quando exagerado, esse temor pode causar
danos. "Quem passa por isso deixa de realizar atividades importantes e de
viver. De certa forma, essa pessoa já está morta", diz Maria Julia Kovács,
coordenadora do laboratório de estudos sobre a morte do Instituto de Psicologia
da USP (Universidade de São Paulo).
A diferença entre o medo normal e o excessivo é
que, enquanto o primeiro torna a pessoa mais cuidadosa, o segundo pode
imobilizá-la. "Um bom indicador de que o temor passou do limite é a perda da
liberdade", afirma Maria Helena Franco, coordenadora do laboratório de
estudos sobre o luto da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
"Se tenho medo de morrer viajando de avião,
mas mesmo assim escolho ir, não perdi a liberdade. Mas tem gente que só vai de
carro ou, pior, nem vai", exemplifica.
Quem sofre desse mal também pode ter
dificuldades de cumprir tarefas cotidianas, como ir trabalhar ou a aceitar um
convite para uma festa. "Um exemplo, nas grandes cidades, são as pessoas que
deixam de sair à noite e, em casos extremos, se trancam em casa", diz
Kovács.
Se a questão for a morte de entes queridos, a
pessoa passa até a não querer ter relacionamentos para não precisar lidar com o
fim deles.
"Quando amigos e parentes notam que há algo
diferente, é é preciso abordar, perguntar se está tudo bem e, se for o caso,
convencer quem tem o problema a procurar ajuda", diz o psicanalista e
professor da Unicamp Roosevelt Cassorla.
De onde vem o medo
O medo exagerado de morrer pode ser causado por
diversos fatores. É comum com aqueles que chegaram muito perto da morte em um
acidente grave, em situações de violência ou pela perda de pessoas queridas.
"É o que chamamos estresse pós-traumático. A pessoa revive aquela situação a
todo momento, mesmo sem razão para que isso aconteça", explica
Cassorla.
Outro fator que pode desencadear esse temor são
doenças emocionais, como a depressão. "A pessoa fica muito pessimista,
achando que não vale a pena viver, e essa sensação é acompanhada de um terror
muito grande de deixar de existir", diz Cassorla.
Para o professor, o medo da morte geralmente
está relacionado a outras inseguranças. "O problema não é bem morrer. É o
temor do desaparecimento, da loucura". Nesses casos, o sentimento aparece na
forma de fobias, como a de altura, a de viajar de avião ou a de doenças.
"Muitas vezes, quando afirma temer a morte, a pessoa está falando no medo de
algo que supõe que seja catastrófico e sobre o que não tem controle",
explica.
Como tratar
Ainda que o temor excessivo da morte esteja
mascarando outras questões, o primeiro passo para acabar com esse sentimento é
assumi-lo. E, então, conversar sobre ele. "Ao falar, você se ouve e percebe
uma série de coisas", diz Cassorla.
Compreender o que está por trás do medo vai
ajudar a descobrir a forma adequada de lidar com ele e com a realidade. Por
isso, o tratamento normalmente é feito com a combinação de psicoterapia e
medicamentos. O tipo de abordagem, porém, varia conforme o paciente e o tipo de
problema, assim também como a duração do processo, que vai de alguns meses até
anos.
Os especialistas afirmam que, se fosse tratada
de maneira natural, a morte não assustaria tanto. "Esse assunto deveria ser
abordado desde a infância como fato da vida, e não algo de que temos que fugir o
tempo todo", segundo Cassorla.
Maria Helena Franco afirma que a morte deve ser
apresentada às crianças em situações cotidianas, como na perda de um bichinho de
estimação. "Você pode dizer "ele morreu". Muitos adultos acham que devemos
poupar os filhos disso. Mas falar com naturalidade contribui para não tornar a
morte uma fonte de medo".
Para o geriatra Franklin Santana Santos,
presidente da Associação Brasileira de Tanatologia e autor de "Cuidados
Paliativos: Discutindo a Vida, a Morte e o Morrer" (Editora Atheneu), a
falta de discussão sobre o assunto é prejudicial. "A morte é um tabu. O medo
dela é construído desde sempre, ao longo das nossas vidas", diz.
Ele acredita que é preciso educar as pessoas
para ver o lado positivo da finitude. "Isso tem que ser uma alavanca para
repensar a existência, para avaliar se estou colocando minhas energias naquilo
que acredito", afirma. "Quem evita pensar sobre morrer vai sendo levado
pela vida, fica no emprego que não gosta, mantém o casamento que já
acabou".
Para o geriatra, que dá cursos de "educação
para a vida e para a morte", o melhor caminho é tornar a ideia familiar,
falando abertamente sobre ela e pesquisando sobre o tema não só em livro
científicos, mas também na música, nos filmes e na literatura. "Isso não vai
tirar a dor na hora da morte. Mas tudo será abrandado porque algumas perguntas
que se impõem nesse momento já terão sido trabalhadas," defende.
*Notícia extraída do site Partida e Chegada - A Vida em Dois Planos