quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Rivalidades entre sociedades espíritas

O verdadeiro Espiritismo tem por divisa benevolência e caridade
 “Todo reino dividido conta si mesmo é devastado; e toda cidade, ou casa, dividida contra si mesma não subsistirá.” - Jesus. (Mt., 12:25.)
 
Difícil de acreditar, mas (infelizmente) aconteceu: estimulados pelo desejo de divulgar a Doutrina Espírita através de uma feira de livros em praça pública, nossos bravos idealistas foram impedidos de executar o projeto porque uma instituição espírita “rival” impetrou mandado de segurança contra os planejadores de tal evento motivados pelo ciúme, por não ter partido deles a iniciativa da realização, embora tivessem sido convidados a unir esforços para o desiderato. Além de não aceitarem o convite e, receosos de que a “outra casa” tivesse uma projeção maior na cidade, impediram a luz de se acender.
 
Em outra cidade, quando uma das casas espíritas resolveu, após ingentes esforços, organizar um coral espírita, confrades de outra Instituição espírita organizaram uma comissão a fim de demovê-los de tal ideia, vez que já havia um coral sendo formado e, mais um coral (na opinião deles) seria obra de obsessores que estariam elaborando um movimento paralelo com o fim de prejudicar o Espiritismo na cidade.
 
Em outra ocasião, durante um evento espírita de mais ampla repercussão, foi feito um panfleto onde estava registrado o horário de funcionamento das reuniões públicas de todas as casas espíritas; só que o dia e o horário da “casa adversária” estavam propositadamente incorretos.
 
De outra feita, quando os dirigentes de um Centro Espírita de uma pequena cidade resolveram ampliar o número de reuniões públicas – desafortunadamente –, o único dia e horário mais propício para todos “coincidiu” com o da outra instituição.
 
Pode parecer ficção, mas, lamentavelmente, todos esses fatos e muitos outros igualmente lamentáveis aconteceram de fato. É inacreditável existirem criaturas que se dizem espíritas entregues à prática de rivalidades nos moldes da política partidária no que ela tem de pior...
Compulsemos O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns e vejamos o que nos falam a respeito da rivalidade entre as Casas Espíritas: em “O Livro dos Espíritos” no tomo IX da conclusão, o Mestre Lionês enunciou o seguinte: “não haveria antagonismos senão entre aqueles que querem o bem e aqueles que fariam ou desejariam o mal. Ora, não há um espírita sincero e compenetrado das grandes máximas ensinadas pelos Espíritos, que pudesse querer o mal, desejar o mal do próximo.
 
Se alguém está em erro, a luz cedo ou tarde se fará para ele, desde que a procure de boa-fé, sem prevenção. À espera disso, todos têm um laço comum que os deve unir num mesmo pensamento; todos têm um mesmo objetivo; pouco importa, pois, o caminho, contanto que esse caminho conduza à luz. Nenhuma sociedade espírita deve se impor pelo constrangimento material ou moral, e já estaria no erro se lançasse anátema sobre a outra, porque agiria, evidentemente, sob a influência dos maus Espíritos. A razão deve ser o supremo argumento e a moderação assegurará melhor o triunfo da verdade do que a crítica envenenada pela inveja e pelo ciúme”.
 
Atentemos no conselho de Santo Agostinho: “por muito tempo os homens têm se dilacerado mutuamente e anatematizado em nome de um Deus de paz e misericórdia, ofendendo-O com tal sacrilégio. O Espiritismo é o laço que os unirá um dia, porque lhes mostrará onde está a verdade e onde está o erro. Mas haverá por muito tempo ainda escribas e fariseus que o negarão, como negaram o Cristo.
 
Quereis saber, pois, sob a influência de quais Espíritos estão as diversas seitas que se dividem? Julgai-as pelas suas obras e pelos seus princípios. Jamais os bons Espíritos foram os instigadores do mal; jamais excitaram os ódios dos partidos nem a sede de riquezas e de honras, nem a avidez dos bens da Terra. Só aqueles que são bons, humanos e benevolentes para com todos são os seus preferidos e são também os preferidos de Jesus, porque seguem o caminho que lhes indicou para chegarem a ele”.
 
Em “O Livro dos Médiuns”, capítulo XXIX, itens 348 a 350, está consignado o seguinte: “as reuniões que tratam exclusivamente de comunicações inteligentes e as que se entregam ao estudo das manifestações físicas têm, cada qual, a sua própria missão. Nem umas nem outras concordariam com o verdadeiro espírito do Espiritismo se quisessem se olhar com rivalidade. Aquela que atirasse a primeira pedra já provaria, simplesmente por isso, estar dominada por más influências.
 
Todos devem concorrer, embora por vias diferentes, ao objetivo comum que é a pesquisa e a divulgação da Verdade. Seu antagonismo, que seria apenas um efeito da excitação do orgulho, forneceria armas aos detratores, só podendo prejudicar a causa que elas pretendem ajudar e defender.
 
Isso se aplica igualmente a todos os grupos que possam divergir sobre alguns pontos da Doutrina. Nada haveria de pior se os diversos grupos ou sociedades de uma mesma cidade se olhassem reciprocamente com inveja. Compreende-se a inveja entre as pessoas que disputam entre si e podem causar-se prejuízos materiais. Mas quando não há especulação, a inveja ou o ciúme nada mais são do que mesquinha rivalidade provocada pelo amor-próprio. Como não pode haver, de maneira alguma, uma sociedade que possa reunir todos os adeptos, as que realmente desejam propagar a verdade, que têm um objetivo exclusivamente moral, devem ver com prazer o aparecimento de novos grupos e, se houver concorrência entre eles deve ser apenas uma emulação no campo do bem.  Aquelas que pretendessem estar na posse exclusiva da verdade deveriam prová-lo tomando por divisa: amor e caridade, porque essa é a divisa de todo verdadeiro espírita.
 
Se o Espiritismo deve, como foi anunciado, realizar a transformação da humanidade, só poderá fazê-lo pelo melhoramento das massas, que só se dará gradualmente, pouco a pouco, pelo aprimoramento dos indivíduos.
 
É com um fim providencial que devem agir todas as sociedades espíritas sérias, agrupando em seu redor as que têm os mesmos sentimentos. Então haverá união entre elas, simpatias e um verdadeiro sentimento de fraternidade. Nunca um vão antagonismo provocado pelo amor-próprio, mais de palavras que de razões. Então elas serão fortes e poderosas, porque apoiadas numa base inabalável: o bem para todos. Serão assim respeitadas e imporão silêncio às tolas zombarias, porque falarão em nome da moral evangélica respeitada por todos... Essa é a via pela qual nos temos esforçado para levar o Espiritismo. A bandeira que arvoramos bem alto é a do Espiritismo cristão e humanitário, em torno da qual somos felizes de ver desde já tantos homens se juntarem em todos os pontos da Terra porque compreendem que está nela a âncora de salvação, a salvaguarda da ordem pública, o signo de uma nova era para a humanidade. Convidamos todas as sociedades espíritas a participarem desta grande obra. Que de um extremo do mundo ao outro elas se estendam a mão fraterna e assim apanharão o mal nas malhas de uma rede inextricável!”.
 
Fénelon, em oportuna página, nos diz: “perguntastes se a multiplicidade dos grupos numa mesma localidade não poderia provocar rivalidades prejudiciais para a Doutrina. A isso responderei que se estiverem imbuídos dos verdadeiros princípios dessa Doutrina, verão irmãos em todos os Espíritos e não rivais. Os que vissem outras reuniões com ciúme provariam estar com segunda intenção, por interesse ou amor-próprio, não sendo guiados pelo amor da verdade. Garanto-vos que se pessoas assim estivessem entre vós provocariam logo a perturbação e a desunião. O verdadeiro Espiritismo tem por divisa benevolência e caridade. Dele se exclui toda rivalidade que não seja a do bem que se pode fazer. Todos os grupos que inscreverem essa divisa em sua bandeira poderão dar-se as mãos como bons vizinhos, que não são menos amigos por não morarem na mesma casa. Os que pretendessem ter por guias os melhores Espíritos deveriam prová-lo mostrando melhores sentimentos. Que haja luta, pois, entre eles, mas uma luta de grandeza d`alma, de abnegação, de bondade e humildade”.
 
Eis a preocupação de Allan Kardec na questão 1.018 de “O Livro dos Espíritos: “jamais o reino do bem poderá ter lugar sobre a Terra?”
 
Resposta: “o bem reinará sobre a Terra quando, entre os Espíritos que vêm habitá-la, os bons vencerem sobre os maus. Então farão nela reinar o amor e a justiça que são a fonte do bem e da felicidade. É pelo progresso moral e pela prática das leis de Deus que o homem atrairá sobre a Terra os bons Espíritos e dela afastará os maus. Mas os maus não a deixarão senão quando dela forem banidos o orgulho e o egoísmo”.
 
Completa São Luís: “(...) predita foi a transformação da humanidade e vos avizinhais do momento em que se dará, momento cuja chegada apressam todos os homens que auxiliam o progresso. Essa transformação se verificará por meio da encarnação de Espíritos melhores, que constituirão na Terra uma geração nova. Então, os Espíritos maus, que a morte vai ceifando dia a dia, e todos os que tentem deter a marcha das coisas serão daí excluídos, pois que viriam a estar deslocados entre os homens de bem, cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos novos, menos adiantados, desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio adiantamento, ao mesmo tempo que trabalharão pelo de seus irmãos ainda mais atrasados.
 
(...) Todos vós, homens de fé e de boa vontade, trabalhai, portanto, com ânimo e zelo na grande obra da regeneração, que colhereis pelo cêntuplo o grão que houverdes semeado. Ai dos que fecham os olhos à luz! Preparam para si mesmos longos séculos de trevas e decepções. Ai dos que fazem dos bens deste mundo a fonte de todas as suas alegrias! Terão que sofrer privações muito mais numerosas do que os gozos de que desfrutaram! Ai, sobretudo, dos egoístas! Não acharão quem os ajude a carregar o fardo de suas misérias”.
 
São Vicente de Paulo, com paternal carinho, oferece-nos uma belíssima página, estabelecendo um roteiro seguro para nossas vidas, ao mesmo tempo em que nos adverte: “meus filhos, nosso mundo material e o mundo espiritual que tão pouco ainda se conhecem, são como dois pratos de uma balança perpétua. Até aqui as nossas religiões, as nossas leis, os nossos costumes e as nossas paixões fizeram de tal maneira pender o prato do mal, para elevar o do bem, que temos visto o mal reinar soberano sobre a Terra. Através dos séculos é sempre a mesma lamentação que sai da boca do homem, e a conclusão fatal é a injustiça de Deus. Há mesmo os que vão até à negação da existência de Deus. Vedes tudo aqui e nada lá; vedes o supérfluo que de todos os lados fere a necessidade; o ouro brilha junto à lama, todos os contrastes, os mais chocantes, que deveriam provar a vossa dupla natureza. De onde vem isso? De quem é a falta? Eis o que é necessário procurar e com imparcialidade.
 
Quando se deseja sinceramente encontrar um bom remédio, a gente o encontra. Pois bem! Malgrado essa dominação do mal sobre o bem, pelas vossas próprias faltas, por que não vedes o resto seguir direto na linha traçada por Deus? Vedes as estações desarranjarem? O calor e o frio se chocarem inconsideradamente? A luz do Sol esquecer-se de clarear a Terra? Mas, se tudo vai bem do lado de Deus, tudo ainda vai mal do lado do homem. Qual o remédio para isso? É bem simples: aproximar-se de Deus; amarem-se; unirem-se; entenderem-se e seguirem tranquilamente a estrada, cujas marcas se percebem com os olhos da fé e da confiança”.
 
Segundo Allan Kardec, “a ortodoxia espírita será fundamentada na universalidade do ensino dos Espíritos que se comunicam por toda a Terra por ordem de Deus. Esse o caráter essencial da Doutrina Espírita; essa sua força, sua autoridade. Diante de tão poderoso areópago – continua Kardec -, onde não se conhecem corrilhos, nem rivalidades ciosas, nem seitas, nem nações, é que virão quebrar-se todas as oposições, todas as ambições, todas as pretensões à supremacia individual ou de grupos”.
 
*Texto escrito por ROGÉRIO COELHO, publicado no site de O Consolador em Crônicas e Artigos, Ano 8 - N° 386 - 26 de Outubro de 2014.