Muitas pessoas vivem distraídas, deprimidas ou simplesmente se deixam ir levando no decorrer de suas existências.
Conheço alguns indivíduos que traçaram objetivos prioritários, mas apenas dedicados às expectativas materiais, cuja motivação (oculta) reside na (i)lógica do insaciável consumo, de tal forma que quando os cumpriram se sentiram vazios, com a sensação de “e daí? É só isso?”.
Outras, mulheres, exercitaram seus cuidados dirigidos aos filhos e ao campo doméstico e, chegando ao final da vida, sentem-se carentes, desanimadas, acreditando que não floresceram sob a nitidez do precioso exercício vocacional...
Sim, infelizmente a síndrome do ninho vazio e a sensação de desperdício de dons – ou um pobre aproveitamento das energias criativas – têm sentido porque, hoje, mais do que ontem, todos são convidados a exercer funções que extrapolem os muros da própria casa...
Criar filhos é uma missão séria e digna, todavia tem tempo definido e, considerando a saúde psíquica da criança, está restrita no geral aos três primeiros setênios (0-7; 7-14; e 14-21), reconhecendo ainda os dois primeiros mais exigentes de atenção e amoroso empenho por parte dos cuidadores, uma vez que a criança nasce totalmente dependente, assumindo os pais (ou o responsável pelo menor) a condição provisória de primeiros tutores.
Ao ingressar no mundo adulto, cada indivíduo, a estagiar aqui para mais “um dia de colégio”, dispõe do precioso direito de fazer as próprias escolhas e decidir a respeito da jornada. Mas, infelizmente, observo muitos pais sofrerem, especialmente mães, porque acreditam que os filhos vieram ao mundo para serem suas projeções ou marionetes. Quando há amor, há espaço para a liberdade, ou seja, o sujeito é livre para erigir sua biografia...
De modo simples, e segundo o que escuto no atendimento terapêutico de mulheres, variegadas as idades e condições econômicas, à medida que os filhos crescem, elas percebem que é saudável meditar sobre outras opções de autodesenvolvimento, aspirando a contribuírem, ainda que de forma modesta, para o bem da sociedade.
Sem dúvida, as mulheres que decidiram, além do exercício privado, apostar em alternativas para o crescimento pessoal e profissional, a longo prazo descobriram que desfrutam com mais estabilidade de benefícios emocionais e psíquicos colhidos dessas outras opções. Em consequência, depois que os filhos vão cuidar de suas vidas, elas resistem melhor aos malefícios das carências abissais e escapam à sedução dos mecanismos nocivos de controle e manipulação, pois se tornam pessoas criativas e participantes também do mundo público (além das vidraças domésticas).
E embora algumas mulheres dependam de uma dose de fé para dar o primeiro passo em direção a uma existência com significado, obrigando-se, por exemplo, a assumir um trabalho assistencial algumas vezes por semana, combinado a estudos e/ou cursos relacionados a necessidades pessoais de crescimento, todas que enfrentaram o desafio se sentem mais adequadas consigo mesmas, pois se puseram a lutar por criatividade e cidadania participativa e não apenas as repetidas condutas praticadas no reino privado...
Há poucos meses conheci uma mulher que se sentia frustrada com a própria vida e ressentida com a filha adulta que migrara para um outro país. Após boas conversas e pequenas alterações de hábitos e gostos, ela concluiu que suas mágoas na verdade diziam respeito a uma rotina esvaziada de objetivos e fins úteis a si mesma e ao seu entorno.
Cuidar da filha a vida inteira (e me valho aqui de expressão repetida por esta mulher em nossas sessões) a manteve ocupada e negligente em relação às reais necessidades de mudança e aperfeiçoamento do seu Ser em trânsito na experiência corpórea.
Como dispunha de uma condição econômica estável, decidiu ser voluntária em centro de educação de crianças especiais. Começou o trabalho de maneira tímida e episódica. Há duas semanas me contou, cheia de entusiasmo, que tinha assumido uma função e agora ia ao centro diariamente pelas manhãs. Sorrindo, me disse que estava feliz e motivada.
Perguntei sobre a filha e ela me respondeu sem titubeios: “confesso, há tempos não nos entendíamos tão bem. Percebi o quanto eu estava exigindo atenção e não por amor..., mas por condicionamento, controle e apego. E, convenhamos, amor e apego são coisas bem distintas, não?”.
No meu trabalho com mulheres, homens e crianças, insisto em duas coisas sempre: a) não estamos aqui, no Planeta, para gozar férias; b) é muito importante que reconheçamos nosso propósito essencial e que trabalhemos para desenvolvê-lo e dar-lhe visibilidade.
Entretanto, um precioso segredo: a partir do momento em que as pessoas estão aptas a conhecer/seguir seu próprio caminho, contribuindo com a florescência do auto-amor e o bom destino da Casa Comum, certamente elas contribuem de forma mais significativa com a qualidade de vida no planeta. Ademais, sem exceção, como criaturas carregamos a necessidade inalienável do trabalho criativo – que dá realidade às nossas potencialidades e cor ao nosso projeto existencial.
Por fim, abrir-se para as forças criativas é um instrumento muito poderoso, que pode também agregar aspectos internos de cura sutis, o que ajuda a pessoa a se viver viva, entusiasmada no momento presente, sem temer o futuro, pois reinventar-se, além da casa ou da varanda, sempre vale a pena.
*Em O Consolado, Crônicas e Artigos, Ano 8 - N° 366 - 8 de Junho de 2014 por Eugênia Pickina.